A convite do artista Paulo Damásio, contribuí com o texto para a NEUROTRÍPTICO, individual que abriu na Martha Pagy Escritório de Arte no sábado (1/7) às 17h. A exposição traz um recorte de pinturas inéditas recentes do artista, produzidas em sua nova fase em SP. O texto segue abaixo:
neurotríptico
abre a boca e fecha os olhos. sentindo o papel? não engole, deixa embaixo da língua. põe um som, algo animado. apaga a luz – deixa aquela rosa – isso. tá sentindo alguma coisa? eu também não, acho que não foi, não sei, não estava amargo. será que – pera, olha essa sombra. isso não é normal. aumenta o som, escuta esse grave. me dá um doce, uma bala, um sorvete até, eu preciso de açúcar e de estímulos. liga o videogame, quero apertar todos os seus botões. você já passou os dedos por essa cortina? assim, bem devagar, como quem encosta no primeiro amor. aliás.
de tudo que nossos olhos e dedos capturam processamos apenas partes ínfimas – cotidiana e neurotipicamente focadas, sacrificamos em nome da eficiência do viver a infinita capacidade de nos direcionar a atenção aos detalhes da forma, utilitarizando nossos sentidos à tarefa do momento (ah como deve ser bom ter começo meio e fim). a fome lisérgica, assim como a disposição estética ou a fruição sob um hiperfoco, nos direciona os olhares toques escutas movimentos ao mundo de forma afortunadamente afuncional, libertando o corpo dos deveres de ser máquina e permiti-lo ser experimento fenomenológico. a pintura, em que a disposição de camadas é aspecto-chave, se mostra ao observador dedicado uma fossa abissal colorida pronta a engoli-lo, trip de óleos e gesso.
calma, pega a tesoura, aperta aquele. tá tudo tão embaçado. mas de um jeito bom. respira fundo, você sente seus alvéolos? vamos conversar, o que você quer da vida? você pode ser qualquer coisa: nessa fumaça, a vida é plástica (e fantástica) – com força de vontade e óculos de VR você pode morar num galinheiro muito mais feliz. podemos viajar, podemos sair do país, podemos respirar outro ar, crescer outros músculos, provar outros sabores, nossa mente contém estouros katamaris incêndios e multitudes. será possível sentir demais?
mas agora tô com fome, tem algo aberto a essa altura? acho que só sanduíche do posto. apaga a luz, fecha a janela, já vai nascer o sol, deixa as multitudes pra depois do café.
- o que eu fiz texto curatorial