A exposição bufê dinamite marcou o aniversário de 1 ano do CAROÇO, e tive a alegria de participar como curadora, ao lado de Flavussh e Pauli Carvalho, que também participaram como artistas. Como curadora, trabalhei na seleção de artistas e, mais intensa e diretamente com cada artista, na escolha das obras e, por fim, na expografia, visando compor uma coletiva que, a despeito de incluir dezesseis artistas com pesquisas únicas, exibisse coesão estética e conceitual. Abaixo, algumas fotos da exposição (cortesia do Estúdio Em Obra), bem como o texto curatorial que compus para o evento.
bufê dinamite
Comemorando o aniversário de um ano do CAROÇO, projeto independente de fomento e disseminação de arte contemporânea, a exposição bufê dinamite reúne 16 jovens artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro para saborear o retrogosto agridoce da nostalgia em torno da celebração da infância – aniversários, superficialmente momentos de alegria e comemoração, são com frequência memórias simbólicas de dolorosas pressões exigindo a conformação da potência infinita do jovem devir aos moldes imaginados pelas instituições sociais. A família, a escola e o trabalho, fontes tradicionais de violentas dominações físicas e epistemológicas de gênero, classe e geração, passaram, a partir do século anterior, a ter de competir com uma terceiro elemento produtor de identidades: o consumo de massas. A crescente ubiquidade de produtos industrializados, acompanhada das diversas mídias criadas para garantir que lembremos de suas marcas registradas – do rádio à internet ao TikTok, das séries animadas e seus personagens aos mascotes de corporações globais – garantiu o ofuscamento contínuo do papel exercido por narrativas familiares ou morais religiosas na formação da personalidade individual. Parábolas e lembranças de antepassados passaram a dividir espaço, em nossas auto-narrativas, com roteiros de animação criados para vender bonecos de plástico injetado sob medidas especificadas em contratos de cessão de direitos autorais.
Se esse movimento é visto às vezes como libertação – sou mais eu na medida em que opto por qual universo cinemático da Disney devo acompanhar – parece evidente que o consumo acrítico de afetos orquestrados por publicitários pode ser tão vazio ou danoso quanto no caso de instituições passadas. Longe de converter-se em digestores passivos de lições de vida escritas para maximizar o valor do horário reservado à propaganda de brinquedos, ou, pelo contrário, de adotar um distanciamento antagonista e blasé ao lido como “popular” (categoria já há décadas esvaziada de significado), os artistas de bufê dinamite nos trazem em vez disso uma reapropriação subversiva e neo-sincera de folclores corporativos que, se permanecem vivos como memórias afetivas, são revalidados somente após complexa e transformativa deglutição, que passa (e supera) o cinismo simplista da ironia e a dissociação paralisante da pós-ironia com relação ao objeto de consumo-identificação: formaliza-se assim o sabor caseiro industrial de McLanches Felizes™ enquanto estética, mas corrompido para servir a narrativas outras que as imaginadas por seus roteiristas de marketing. Tal como nossos ancestrais, costuramos e vestimos as peles de nossas caças, agora coletadas das gôndolas de supermercados. Substituímos as imagens sancionadas de nossos ídolos por versões piratas, releituras próprias que enfim servem à representação de nossa imagem. Com suas pinturas, esculturas, instalações e performances, os artistas de bufê dinamite emprestam definição ao difuso inconsciente coletivo de uma geração marcada pelo colapso de barreiras geográficas e semióticas que tornou a condição pós-moderna e a dissolução da tradição em dados básicos da existência.
- data junho de 2023